domingo, 3 de fevereiro de 2008

VOCÊ SABE O QUE É CUTELARIA ????


A Arte da Cutelaria.
Texto de Osvaldo Condé e adaptado por Milton Hoffmann


Se você não sabe o que exatamente significa cutelaria, não se assuste. Uma legião de brasileiros ainda desconhece a palavra e este é um dos motivos da realização dessa exposição. Apesar de o termo cutelaria ser pouco utilizado, ele começa a aparecer com maior freqüência, inclusive fora dos círculos especializados. Resumindo, cutelaria é a arte de fabricar instrumentos de corte. A palavra cutelo - instrumento cortante semi-circular de ferro - vem do latim cultellu (“faca pequena”), de onde provém também a palavra cutela, faca larga para cortar carne.


As facas fazem parte da história do homem e não é possível imaginar o desenvolvimento de nossa raça e a sua sobrevivência sem elas. Há quem diga que elas estão intimamente ligadas à evolução, desde o macaco até o Homo sapiens. No paleolítico inferior, há 2.500.000 anos, na Tanzânia e na Etiópia já existiam as primitivas facas feitas de lascas de pedra. Com elas foram feitas as pontas das lanças de madeira, foi cortado o couro para as roupas e foram produzidos utensílios destinados à defesa e ao abrigo. Podemos dizer que o que diferenciou o homem dos macacos é, sem dúvida, o fato de que um dominou o fogo e descobriu a faca, e o outro não. Observe-se que, segundo alguns antropólogos, a evolução teve início a partir do momento em que o macaco passou a se alimentar de carne vermelha, obtendo a fonte de proteínas tão necessária ao crescimento de seu cérebro.


Um longo período passou até que se chegasse a dominar o primeiro metal, na Idade do Bronze, que vai de 2000 a 700 a.C.. Já o ferro passou a ter uso generalizado depois do ano 1000 a.C.. Apesar de já ser conhecido muito tempo antes, a tecnologia da sua utilização era muito rudimentar e só depois da colonização romana, por meio das suas legiões, é que a técnica de forjar este metal tornou-se popularizada. A siderurgia teve um nascimento místico, do qual fez parte o ferreiro, que é o pai do cuteleiro. A palavra mais antiga para denominar ferro é AN BAR, de origem suméria, e designa respectivamente "Céu e Fogo", traduzida por “metal celeste” ou “metal estrela”.


Muitos séculos antes do ferro ser domesticado pelos ferreiros e extraído das minas, ele era utilizado de forma ritual e mágica para produzir amuletos e facas para sacerdotes e reis, já que era proveniente de meteoritos, um fenômeno considerado sagrado desde a remota antiguidade. A origem da palavra siderurgia vem de sideral, exatamente porque o ferro vinha de meteoritos. Era considerado sagrado, como um presente dos deuses aos homens, ou melhor, aos reis e sacerdotes.


Os meteoros eram chamados de “pedra dos raios” ou “machados de Deus” e tinham a conotação viril de penetrar a terra e fecundá-la, além de serem considerados armas de Deus. Os esquimós da Groenlândia faziam suas facas de meteoritos, martelando-os com pedra, como se o ferro também fosse um tipo de pedra, pois não conheciam a metalurgia. Quando Cortés, o conquistador espanhol, perguntou aos chefes astecas de onde obtinham suas facas, eles lhe apontaram o céu.


O ferro de meteoro era usado pelos Maias e pelos Incas e, até muito recentemente, pelos Malaios e Indonésios para a produção de uma arma que ainda hoje faz parte da indumentária (especialmente nas festas) daquele arquipélago: o Kris; é uma faca com lâmina ondulada, como uma espada flamejante maçônica, que lembra uma serpente .


As facas rituais são também usadas pelos Tibetanos, sendo mais conhecidos dois modelos: um de lâmina larga, usado para "tirar a pele do ego" e outro com uma ponta triangular, como se fosse uma ponta de flecha, que é conhecido como "Purbhu". Esta faca tem na sua parte superior um objeto chamado "Vajra” ou “Dorje", que quer dizer raio ou diamante. Vemos, mais uma vez, o aparecimento da ligação sideral ou sagrada entre o objeto que corta, separa o bem do mal, símbolo da consciência discriminadora.


Nos dias de hoje as facas são classificadas basicamente em utilitárias e esportivas, mas poderíamos mencionar ainda: facas de arremesso, decorativas, de cozinha, de caça, de bota, facas militares, de sobrevivência e canivetes (que, na verdade, são facas pequenas), entre outras. As espadas são um desenvolvimento natural das facas. Sendo maiores, podiam manter o inimigo a uma distância maior e mais segura. Hoje são usadas quase que exclusivamente em competições esportivas e cerimônias militares ou maçônicas.


Falar em espadas e não mencionar as katanas, espadas samurais, seria um descuido. As espadas, consideradas a alma do guerreiro, eram e são feitas pelos espadeiros com técnicas secretas e passadas de pai para filho desde a Idade Média. Os espadeiros japoneses são considerados patrimônios culturais vivos do Japão.


Para encerrar esta breve introdução à Cutelaria, não podemos deixar de mencionar uma peculiaridade: o passado está cada vez mais vivo e de volta! A arte de se produzir o aço conhecido na antigüidade como Damasco renasceu, com desenhos esculpidos na própria liga do metal, como fibras de madeira. Esta forma de produzir aço especial tem origem na Índia e foi divulgada ao mundo cristão pelos árabes, nas Cruzadas, daí "damasco". No Brasil, alguns cuteleiros já produzem tal preciosidade, sendo com ela confeccionadas as facas mais caras do mercados nacional e internacional.


Outra novidade nos remete a Idade da Pedra: literalmente, a pedra voltou! As novas facas feitas de cerâmicas de alta tecnologia são novidade no mercado. Elas são produzidas com micro-cristais e óxidos metálicos, comprimidos e vitrificados em altas temperaturas. O macaco que inventou a faca chegou, enfim, a recriar a pedra para fazer a faca do século 21.


Fonte: sociedade brasileira dos cuteleiros

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