domingo, 25 de maio de 2008

Licença prévia da Fepam à Aracruz desconsidera limites de poluentes

Nota da EcoAgência:
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Os Editores.
Licença prévia da Fepam à Aracruz desconsidera limites de poluentes
Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente fixa as emissões máximas para fábricas de celulose. Sindicato dos servidores pediu no Ministério Público a suspensão da licença e apuração de responsabilidades.Porto Alegre, RS - A Licença Prévia concedida pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) à Aracruz desconsidera limites de emissão de poluentes fixados pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) na Resolução 382 de 2006. São substâncias altamente tóxicas, que poluem o ar, causam chuva ácida, impactam a vegetação, poluem as águas e causam danos à saúde humana.
Numa cerimônia com grande pompa no Palácio Piratini, dia 15 de abril, a governadora Yeda Crusius anunciou o investimento da Aracruz Celulose no total de R$ 4,9 bilhões para a quadriplicar a planta industrial em Guaíba - 60% do valor é financiado pelo BNDES. A governadora e o diretor de Operações da Aracruz, Walter Lídio Nunes, destacaram a “superação” de um dos maiores “obstáculos” para o empreendimento: as licenças ambientais.
A obra de ampliação está prevista para começar em julho. A produção passará das atuais 450 mil toneladas para 1,8 milhão de toneladas de celulose branqueada de eucalipto/ano. Porém, a licença para a papeleira tocar o projeto em frente está sendo contestada pelo Semapi, o sindicato que representa os servidores da Fepam e demais fundações estaduais.
Numa representação encaminhada ao Ministério Público Estadual, o sindicato pede “a imediata suspensão da licença prévia concedida à Aracruz S. A., tornando inválido o EIA/Rima apresentado, para que sejam sanadas as irregularidades constatadas e apuradas as responsabilidades”.
Flagrante Ilegalidade
Um dos vários itens contestados é a emissão de poluentes. Segundo o presidente da Associação dos Servidores da Fepam e diretor do Semapi, engenheiro químico Antenor Pacheco, “a Fepam fixou limites mais permissivos que a legislação federal, que vale para o país inteiro, isso é uma flagrante ilegalidade”.
O problema está na chamada Caldeira de Recuperação, uma das fontes de emissões atmosféricas da fábrica atual (Linha 1), que também será ampliada, e da nova fábrica (Linha 2). A Licença Prévia 268/2008 diz que a emissão de Dióxido de Enxofre (SO² ) da indústria não poderá ultrapassar o limite de 250 mg/Nm3, em base seca e condição referencial de oxigênio de 8%.
Porém, o Anexo VII da Resolução do Conama estabelece claramente “Limites de emissão para poluentes atmosféricos provenientes da fabricação de celulose”, onde limite para liberação de Dióxido de Enxofre na Caldeira de Recuperação é de 100 mg/Nm3 (miligramas por normal metro cúbico), ou seja, a licença da Fepam à Aracruz permite uma emissão mais de duas vezes maior que o permitido pela legislação ambiental.
Além disso, o limite do Conama para outros poluentes importantes, os óxidos nitrogênio (NOx), é de 470 mg/Nm3, mas não consta nenhum limite para isso na licença prévia. Existe ainda o Material Particulado, que está dentro dos parâmetros legais, e o ERT, que gera o característico cheiro de ovo podre das fábricas de celulose, mas neste caso as unidades de medida utilizadas são diferentes, não foi possível fazer a comparação.
Interesses Econômicos
O químico e geneticista Flávio Lewgoy, professor aposentado da Ufrgs e conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), ficou espantado ao tomar conhecimento das discrepâncias da LP com a norma legal. “Quanto aos limites de emissão para SO² , temos uma enorme diferença, como você suspeitou: 100 mg/Nm³ na norma do CONAMA e 250 mg/Nm³ na LP!”, comentou, por email.
“A fábrica queima carvão, daí vem esse problema do enxofre e metais tóxicos também em grande quantidade. Ela usa mecanismos de abatimento mas que não removem poluentes perigosíssimos como o mercúrio, ácido clorídrico, selênio e outros poluentes que saem na cinza finíssima que não é retida e os ventos vêm para Porto Alegre, principalmente a Zona Sul”, acrescenta.
Para Lewgoy, a governadora Yeda Crusius, o secretário do Meio Ambiente, Otaviano Moraes, e a presidente da Fepam Ana pellini, curvaram-se ao poder econômico, em prejuizo do meio ambiente e da população.
“Os técnicos e biólogos que estão sendo pagos com dinheiro público e fizeram concurso não estão sendo ouvidos, o que está acontecendo é o triunfo dos interesses econômicos sobre o interesse maior da saúde pública e do meio ambiente, que a lei há muito tempo já regrou com estudos, mas que simplesmente varreram para debaixo do tapete e patrolaram”.
Efeitos na Saúde
Os efeitos na sáude e na natureza destas substâncias são preocupantes. O dióxido de enxofre provoca a famosa chuva ácida, que prejudica plantas e seres aquáticos - às vezes com efeitos devastadores, conforme a sua intensidade. Nas pessoas, seu efeito é cumulativo, afeta o aparelho respiratório, mucosas dos pulmões e nariz, dando passagem a outras doenças no organismo debilitado pelo poluente.
Conforme o professor Lewgoy, pesquisas mostram que aumentos nos níveis de SO² na atmosfera estão relacionados com a maior incidência de atendimentos e internações hospitalares por problemas cardiorespiratórios.
Os óxidos de nitrogênio também são nocivos ao aparelho cardiorespiratório e provocam irritações da pele e dos olhos. “Sem falar nos organoclorados despejados no Guaíba e os metais pesados, que são cancerígenos, afetam os rins e outros órgãos internos, além dos casos de mal formação congênita, é um dicionário de doenças”, aponta o conselheiro da Agapan.
A situação do Lago Guaíba, onde a fábrica despeja seus dejetos, já é crítica em termos de poluição, e com a quadriplicação da Aracruz os problemas vão se agravar ainda mais, adverte. Segundo ele, nos anos 80 uma pesquisa da Ufrgs já apontou mal-formações em todas as espécies de peixes do lago.
Pareceres Contrários
Os pareceres oficiais da tramitação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) dão razão às preocupações de Lewgoy e Pacheco. Os documentos revelam que os técnicos da Fepam foram contrários à emissão da Licença Prévia.
No parecer técnico do dia 06 de março, quatro dias antes de ser emitida a licença, as engenheiras químicas Nádia Boeira Soares e Ieda Maria C. O. da Silva relatam: “Quanto às informações da Planta Química, não foram caracterizadas as emissões atmosféricas, os efluentes líquidos e resíduos sólidos, conforme solicitado no ofício anteriormente mencionado”.
Elas concluem o parecer: “A Equipe Técnica abaixo-assinada novamente (grifo nosso) manifesta que os referidos estudos apresentam uma série de inconsistências que inviabilizam sua análise e conclusão final para fins de emissão da licença ambiental requerida”.
No mesmo sentido, o meteorologista Flávio Wiegand, dia 07 de março, conclui: “Manifesto que os referidos estudos continuam apresentando uma série de inconsistências que inviabilizam sua análise e conclusão final, para fins de emissão da licença ambiental requerida”.
Outra integrante da equipe técnica, a bióloga Maria Dolores S. Pineda, que avaliou os impactos do empreendimento sobre os recursos hídricos, e o engenheiro químico Enio H. Leite, concluiram, dia 07 de março, que: “O modelo utilizado (POM) mostrou-se inadequado para estimar o prognósticos da qualidade das águas do Lago Guaíba com a inclusão do empreendimento”.
Inquérito no MP
Mesmo assim, a Fepam emitiu a Licença Prévia logo em seguida, dia 10 de março, e realizou a audiência pública exigida em lei sem apresentar à população os dados técnicos que faltavam no EIA-Rima, afirma a representação do Semapi ao Ministério Público, onde pede o cancelamento da licença.
“Cabe ressaltar que, caso as medidas cabíveis não sejam tomadas, os prejuízos ao ecossistema que será atingido em decorrência da instalação e operação da referida fábrica, sem os devidos procedimentos em defesa do meio ambiente, serão, como sabemos, drasticamente danosos. Ademais, deve a Fepam explicar o motivo porque desconsiderou os pareceres técnicos citados para concessão da licença prévia da Aracruz”, diz o documento.
O dirigente do Semapi também denuncia que está havendo perseguição a estes servidores. Todos foram transferidos para outros setores da fundação, informa Antenor Pacheco.
A representação virou inquérito civil e está aos cuidados do promotor Gustavo Munhoz, da Promotoria de Meio Ambiente de Porto Alegre. Ele disse à EcoAgência que o inquérito está em fase de produção de prova técnica, ninguém foi ouvido ainda, e não há prazo para conclusão. “Em função de que estamos tratando da licença previa, existe a iminência da operação dessa nova planta, evidentemente vamos levar isso em consideração ou a investigação perderia a utilidade se avançássemos muito no tempo”, declarou o promotor.
Texto de Ulisses A. Nenê para a EcoAgência. Reprodução autorizada, citando-se a fonte.

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