domingo, 18 de julho de 2010

O Major do Laço

O Major do Laço



Tem se tornado comum escutar nas competições de laço e nos rodeios o narrador dirigir-se ao laçador chamando-o de major. A exposição a seguir não visa identificar a origem precisa dessa nova forma de tratar dos narradores, mas apresentar ligações entre ela e a história do laço, de forma a demonstrar que tal nomenclatura parece adequada a esse universo.

Em primeiro lugar, penso que seja justo vincular a imortalidade dos escritores. Nesse caso, a de um escritor que, além de escrever, foi campeiro, militar e tradicionalista. Mesmo que os narradores, até o momento, não estejam se referindo especificamente a ele, e que esse não seja o motivo da utilização do termo “major”, reporto-me ao major João Cezimbra Jacques, patrono do MTG e aquele que inventou primeira competição de laço que se pode comprovar documentalmente.

Com o termo “major”, conhecido como uma patente na hierarquia militar, os narradores têm enaltecido muitos laçadores. Ao utilizá-lo, o narrador motiva e engrandece o laçador e, geralmente, isso acontece com mais frequência na final de alguma competição de laço, durante a disputa. Então, essa forma de tratamento, atualmente, é a majoração do laçador, uma maneira de dizer que ele é o maior, o melhor.

Diante de tal nomenclatura, que pode ser considerada como um novo termo acrescentado ao jargão dos narradores, observei que alguns laçadores começaram a se perguntar sobre a origem dessa terminologia no contexto do laço. Logo, foi esse apelo e a informação de que um major estava intimamente ligado à história da competição de laço que me levou a escrever este artigo.

Antes de qualquer suposição, acredito que essa nova forma de tratamento, marcada pelo termo “major”, talvez tenha surgido entre os narradores por conta de algum evento ou competição que essa palavra tenha marcado, ou, ainda, devido ao apelido de um grande laçador.

Quanto à permanência do termo major, penso que isso se deva à frequência cada vez maior com que ele é utilizado e a simpatia que ele ganhou dos laçadores. O certo é que a expressão ganhou força na voz desses que narram as competições de laço, e está consolidada como uma forma de tratamento em tal universo.

Permanecer por conta da oralidade, a partir da voz dos narradores, configura um fenômeno que está intimamente ligado à tradição; logo, é algo adequado ao meio em que isso ocorre, o tradicionalismo.

No que toca à etimologia, descarto a possibilidade de o termo “major” ter ganhado força entre os narradores do laço por conta do conhecimento desse aspecto. Seria mais adequado dizer que o uso é em razão do aspecto semântico, visto que essa expressão pode ser adequada à situação, por definir, no caso das competições, o maior, o melhor, o vencedor. O contexto em que é aplicada representa majoração, mas não acredito que seja pelo conhecimento da origem de seu significado, isto porque, como será visto mais adiante, as ligações que serão apresentadas neste artigo não são vinculadas a ele, quando utilizado. A relação etimológica é, portanto, parcial, pois a utilização está ligada ao significado referente à patente militar. E, por assim ser compreendido, muitas vezes foi até considerado incompatível com o meio do laço.

O caso é que a organização militar não é algo estranho ao meio rural rio-grandense, está ligada à história das estâncias, ou seja, à atividade campeira no Rio Grande do Sul. Isso por que alguns estancieiros possuíam patente militar e é sabido que essa condição representava status e poder. Portanto, a forma como o termo em questão está sendo aplicado pelos narradores também tem proporcionado a mesma sensação aos laçadores.

É de se supor que a aplicação da expressão surgiu entre os narradores de forma natural e, talvez, até independente de qualquer uma das informações históricas apresentadas neste trabalho, o que não a torna menos adequada ao universo do laço, conforme será explicitado a seguir.

Como já havia sido levantado no início desta exposição, é possível que a origem da forma de tratamento esteja ligada a algum fato recente ocorrido nas competições de laço. Segundo o renomado narrador Gilberto Lubisco Guazzelli, conhecido como “Papapa”, há, no município de Vacaria, uma fazenda pertencente aos laçadores da família Camargo que se chama Fazenda Major. No entanto, ele não afirma que o vínculo esteja aí.

Quanto a um possível apelidado, Papapa declara que, nas competições de laço, ele conheceu como major o laçador Eldir Rigon, tendo sido esse chamado dessa forma no primeiro Duelo de Titãs, realizado no município da Barra do Ribeiro e organizado por Geraldo Sussembach. Mas o narrador pensa que esse já era um termo utilizado de forma generalizada, como acontece hoje.

Além disso, Papapa afirma ter sido ele o primeiro a utilizar o termo nas narrações e lembra que recebeu muitas críticas pela aplicação, devido ao fato de algumas pessoas entenderem que essa era uma forma tratamento incompatível com universo do laço.

Conforme a posição do Papapa e o que se observa nas competições laço, pode-se dizer que o termo tornou-se um adjetivo.

No tocante ao motivo histórico pelo qual este artigo foi escrito, como já comentado no início, posso afirmar que o termo “major” tem grande importância para o laço e para o tradicionalismo. Sendo assim, não há duvida de que a motivação para elaboração deste informativo veio principalmente do conhecimento das informações expostas na sequência.

Conforme a documentação a que se teve acesso durante a pesquisa que resultou no Manifesto “Tiro de Laço: Esporte e Patrimônio Cultural”, que visa ao reconhecimento do tiro de laço como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro e como esporte símbolo do Rio Grande do Sul, descobri que quem iniciou o tradicionalismo no Rio Grande do Sul, quem se tornou patrono do MTG e quem inventou a primeira competição de laço foi a mesma pessoa, um major.

O Major João Cezimbra Jacques criou a primeira competição de laço que se pode comprovar documentalmente até o momento. A ideia de se realizar essa competição está registrada na obra Assuntos do Rio Grande do Sul, que pode ser considerada a bíblia do tradicionalismo neste Estado e que é de autoria desse grande mestre tradicionalista.

A referida competição é semelhante à “vaca parada”, atividade essa que será descrita a seguir.

Historicamente, o Laço já estava se configurando como uma atividade esportiva, genuinamente rio-grandense, bem antes de 1951, ainda no século XIX, em Esmeralda, como aponta João Cezimbra Jacques, na obra Assuntos do Rio Grande do Sul, escrita em 1912. O autor lembra a criação do “Grêmio Gaúcho” — núcleo primeiro no culto sistematizado das tradições sul-rio-grandenses — fundado em 22 de abril de 1898, em Porto Alegre. Segundo Jaques, dentre os propósitos dessa sociedade estava praticar, ao lado dos jogos importados, exercícios de pontaria a pé ou a cavalo, guiados por um mestre, com o laço e com as boleadeiras, em alvos apropriados, citando como exemplo, os palanques, onde ganharia quem maior número de pontos tivesse por ter acertado mais vezes o alvo. Essa competição tinha a finalidade de relembrar as tradições do passado.

Além do que está registrado na obra Assuntos do Rio Grande do Sul, foi publicado, no Jornal Diário, de 19 de setembro de 1912, o anúncio feito pelo Grêmio Gaúcho informando aos sócios que a data de 20 de setembro seria comemorada no dia 22 do mês corrente. Na programação divulgada, estava prevista a realização do torneio de laçar uma caveira de rês ao palanque, com premiação para o melhor laçador. Este é um forte indicativo da realização de torneios de laço no início do século XIX. Verificou-se, também, nessa mesma publicação, a semelhança com a denominação dada a esse tipo de competição pelos jornais nas décadas posteriores, em cujas reportagens consta o termo torneio, o mesmo que competição esportiva, conforme consta no Dicionário Aurélio.

Cabe lembrar que a “vaca parada” está entre as competições de laço que constam no regulamento campeiro do MTG, e que, da forma como está escrita no referido documento é considerada laço.

Ocorre que não existe competição denominada Tiro de Laço no regulamento campeiro do MTG, como também não há “laço comprido” no estatuto da Federação dos Clubes de Laço do Mato Grosso do Sul. Somente a palavra “laço” foi registrada nos referidos documentos e é através dela que os laçadores se referem a qualquer competição.

Friso tudo o que consta atualmente registrado no regulamento campeiro do MTG, no que tange a modalidades de laço, é assim considerado devido à forma como está escrito, ou seja, chama-se apenas laço. Nem mesmo “laço competitivo” está escrito nesses documentos. Além do mais, o que vale, na tradição, é a oralidade, e, se é assim, sabe-se que dificilmente se escuta algum laçador pronunciar “Tiro de Laço”. Todos os laçadores referem-se à competição como “laço”, em conformidade com o regulamento. Ainda sobre isso, um detalhe importante: os laçadores começam aprender a técnica pela “vaca parada”, algumas confeccionadas com a caveira de uma rês presa a um cavalete.

Esse contexto demonstra claramente que a competição de laço sofreu um processo evolutivo, tendo se desdobrado em pelo menos cinco modalidades, sendo elas: Laço, Laço Esporte, Tiro de Laço, Tiro de Laço Esporte e Laço Comprido. Elas existem independentes dos regulamentos, mas também podem ser identificadas a partir desses documentos e de outros.

De qualquer forma, pode-se afirmar que, antes das modalidades acima mencionadas, existiu o Torneio de Laço na Caveira e que esse foi realizado em 1912, estando caracterizado como laço competitivo e podendo ser considerado a origem da “vaca parada”.

Mas, de tudo o que foi exposto, interessa que a primeira competição de laço foi criada por um Major e escritor, João Cezimbra Jacques, que serviu na Cavalaria do exército brasileiro, lutou na guerra do Paraguai, integrou o elenco da primeira Academia de Letras do Rio Grande do Sul, além de ter sido um dos fundadores do Partido Republicano, adepto do positivismo, indigenista, tocador de viola, mestre nas lidas campeiras e fundador dos Grêmios Gaúchos que serviram de matriz para os CTGs.

Para os tradicionalistas, certamente a informação mais importante diz respeito à atuação de Jacques como instrutor militar do Instituto de Ensino da Escola de Engenharia, hoje Colégio Estadual Julio de Castilhos, mesmo local onde surgiu o MTG.

O tradicionalismo no Rio Grande do Sul foi iniciativa de militares e de intelectuais. Portanto, a utilização do termo “major” pode ser considerada uma homenagem ao maior, a João Cezimbra Jacques, até há pouco imortalizado pelas suas obras literárias e, a partir de agora, pela sua patente gritada nos torneio de laço.

E, sendo assim, escreveu o Major em 1883, na sua obra Costumes do Rio Grande do Sul: “independente dessas armas comuns, em totalidade ou em parte, aos militares de todos os países, o rio-grandense traz consigo duas armas auxiliares que lhe são peculiares, e que somente os homens desta parte da América sabem manejar com habilidade: queremos falar do laço e das boleadeiras”. É importante reconhecer que, antes disso, Nicolau Dreys já havia dado destaque a essa particularidade; porém, ele se referia aos guerreiros gaúchos, mas esse é outro vínculo do laço com militarismo.

Diante dessa personalidade militar gaúcha, sintam-se honrados os laçadores quando são chamados de major e por serem homenageados todos os militares gaúchos.

Por fim, sugiro que, durante a Semana Farroupilha do ano de 2010, seja realizada a competição de laço que seja denominada Taça Major João Cezimbra Jacques, pelos méritos desse maior e pelo fato de as competições citadas terem sido realizadas em Porto Alegre, no ano de 1912.





Eduardo Fonseca Alves

Laçador e Pesquisador

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