Paixão Côrtes: “Modernidade sem modismo”
* Paulo Monteiro
João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes nasceu em Santana do Livramento, em 12 de junho de 1927. Aos 20 anos, no Colégio Júlio de Castilhos de Porto Alegre, juntamente com outros sete jovens secundaristas, deu início ao atual Movimento Tradicionalista Gaúcho. Folclorista, cantor, compositor e dançador. É criador das danças tradicionais gaúchas, aplicadas em invernadas de danças dos Centros de Tradições Gaúchas. Recentemente esteve em Passo Fundo, onde palestrou sobre o MTG. A revista Somando transcreve, em duas edições, a entrevista concedida ao membro da Academia Passo-Fundense de Letras Paulo Monteiro.
De que forma divulgar a tradição? Sou sabedor dessa preocupação com o aspecto cultural e das experiências, das vivências, das pesquisas que a gente vem realizando há tanto tempo e que às vezes encontra dificuldades de divulgá-las, de colocá-las ao alcance da cultura popular. Nesse sentido é que estamos editando, publicando e colocando ao alcance das entidades culturais, centros de tradições, escolas, museus. O material é resultado de sessenta e tantos anos de pesquisa. A obra Danças tradicionais do Rio Grande do Sul foi editada em Passo Fundo aqui graças à colaboração do poder público, através de diferentes órgãos culturais e turísticos. Já está esgotado. Talvez possamos conseguir uma reedição, como contribuição cultural do município às nossas tradições. Esse livro é uma prova da minha ligação com Passo Fundo e sua cultura.
Como recebeu a escolha para ser patrono da Feira do Livro de Porto Alegre? Com júbilo, naturalmente. Uma distinção que me foi outorgada em relação aos outros demais concorrentes: jornalistas, professores, dicionaristas, historiadores, indicados pela Câmara Rio-Grandense do Livro. Minha contribuição seria inicialmente colocar esses aspectos ligados à ciência do folclore, as pesquisas das expressões naturais do povo ao alcance da feira do povo. A Feira do Livro é um momento em as pessoas entram numa livraria e têm a possibilidade de encontrar obras com preços mais acessíveis e conviver com os autores, escritores, encontrar novos rumos. Não é um espaço estanque.
Quem tomou a iniciativa? Do grupo, somente eu e o Antônio João Sá de Siqueira estamos vivos. Ele é um veterinário brilhante, foi professor na faculdade, fez e ainda faz parte da história daqueles rapazes, os oito, que começaram no Julinho. Criamos o Departamento de Tradições Gaúchas do Colégio Júlio de Castilhos, a Chama Crioula, o Candieiro Crioulo, a Semana Farroupilha, desfiles, palestras e conferências para o meio estudantil. Fundamos o 35 – CTG.
Essa história está preservada? A obra Origem da Semana Farroupilha: primórdios do Movimento Tradicionalista Gaúcho teve o cuidado de reproduzir fotografias, documentos da época, com toda a precisão. Passados sessenta e tantos anos, já se constitui uma ótica em que a cultura regional gauchesca está inserida na cultura de erudição rio-grandense e com reflexo no panorama nacional, já que o movimento iniciado por oito rapazes, jovens, de vinte anos, depois o 35 – CTG e outros, hoje se estendeu pelo mundo. Existem quatro mil entidades em torno das quais giram cinco milhões de pessoas. O Movimento, em sessenta anos, saiu do galpão para adquirir uma projeção universal. Encontramos nos Estados Unidos cinquenta ou sessenta Centros de Tradições; no Japão, na Alemanha, na França também existem. Isso diz da preocupação inicial para projetar nosso folclore ao mundo.
O grupo estava consciente do que aconteceria a partir do galpão no Julinho, a Ronda Crioula e da cavalgada no translado dos restos mortais de David Canabarro? No verdor dos 25 anos, não podíamos imaginar que teria esta projeção. Mas uma coisa nós tínhamos consciência, está nos folhetos que nós distribuímos no CTG Lalau Miranda: as perspectivas, as causas, os momentos e os textos que em 1947 colocamos ao criar o Departamento de Tradições do Colégio Júlio de Castilhos. Havia a preocupação de preservar, multiplicar e enaltecer, no seu sentido cívico, as tradições gaúchas às novas gerações. Então, esta preocupação de preservar, dignificar e de exaltar, no aspecto cívico, não era o civismo gauchesco, regional, mas o civismo brasileiro.
O movimento de vocês era, de certo modo, contra a cultura americanizada? Sim. Fomos a cavalo buscar a Chama da Pátria junto à Liga de Defesa Nacional. Levamos para o Colégio Júlio de Castilhos e começou então a Chama Crioula, o Candieiro Crioulo, a Semana Farroupilha, as palestras dizendo das heranças nossas, dos velhos farrapos e toda a sequência dos acontecimentos históricos do Rio Grande do Sul, especialmente atinente à atividade da cultura popular, não documentos históricos, políticos, que representavam filosofias da época como era a norte-americana e que os ianques faziam os convênios. "O que é bom para os Estados Unidos é bom para os americanos (do Norte, não é?!)". E do Sul é outra coisa... Esses aspectos é que... (O cinema, Fred Astaire e seus sapateios; Bill Cosby e suas rosas; O Super-Homem; O Capitão América) eram as figuras mais exaltadas junto à juventude do segundo pós-guerra. E nós levantamos no sentido de dizer que nós tínhamos o nosso gaúcho; tínhamos a Revolução Farroupilha; nossos hábitos; tínhamos o chimarrão e não Coca-Cola. E assim por diante! E isso calou profundamente no transcorrer dos anos. Sociólogos ficaram surpresos quando dissemos que o movimento começou de baixo para cima e não de cima para baixo.
Como foi o movimento? Era uma "piazada" consciente e documentada como mostra o livro Origem da Semana Farroupilha: primórdios do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Não era uma invenção. Todos os meus parentes eram gente de campo, filhos ou netos de fazendeiros. No transcorrer dos anos, as necessidades de levar a mensagem a este ou àquele meio de comunicação de imagem, de som, de palco nos levaram a tomar as atitudes que eu sempre usei na região da campanha, agora na cidade. Precisa ser entendido que o gaúcho tem de acompanhar a modernidade sem fazer modismo. Procurando conservar as suas raízes, as fundamentações espontâneas do povo. Aí, realmente, perde a razão do movimento.
Esse sentido de revolta íntima e de amor patriótico era muito mais do que gauchismo? Não, isso surgiu depois. Realmente, não havia preocupação de exaltação regional, mas sim fixação regional, vale dizer, nós somos assim, vestimos assim, cantamos deste modo, vivemos assim, falamos descansado porque temos herança. Agora, se vocês quiserem entender melhor nossas heranças, temos que nos restringir àquilo que nossos antepassados gaúchos nos passaram. Tanto é verdadeiro que aí começou a surgir o 35 – Centro de Tradições e o Lalau Miranda, em seguida. Quando fomos registrar a sigla CTG não houve a possibilidade, pois não existia isso. Nem patrão, sota-capataz, invernada, nada disso fazia parte da sociedade civil da época. Hoje não. Você vai numa solenidade cívica ou de importância e dizem: Aqui está o patrão, o coordenador da região. Quer dizer, nós já trouxemos uma contribuição à cultura linguística e representativa da sociedade brasileira.
E o trabalho de resgatar músicas e danças que estavam perdidas? Em 1949, quando voltamos do Uruguai, onde fomos representar o Rio Grande do Sul e o Brasil no Dia de La Tradicción, eles ficaram surpresos pela maneira com que nos manifestamos e pela indumentária. Diziam: "Pero Usteds son semellantes a nosotros!" Eles nem admitiam que no Rio Grande do Sul e no Brasil tivessem gaúchos. Então, mostramos tudo nas encilhas, declamação, cantigas. "?Y sus bailes? ?Qué bailam Usteds?". Não tínhamos resposta, a não ser que xote e rancheira era o que dançávamos... Mas eles queriam os temas do nosso folclore, as coreografias, os sapateados, as dançadas, etc. E quando voltamos de lá, verificamos que não era possível que o Uruguai e a Argentina tivessem tão rico repertório coreográfico e nós, no Rio Grande do Sul, no Brasil, nada. Então, eu e o Barbosa Lessa nos dispusemos a ir de rincão em rincão, na fonte, no gomo da taquara, como eu chamo, para ver, ouvir, olhar, escutar e aprender, não só as roupas, não só as danças, não só os cantos, mas também os motivos populares, religiosos, e que fazem parte da cultura. E isso resultou no livro Festas, bailes, música e religiosidade rural, onde estão as cavalhadas, os aspectos ligados à religiosidade do homem gaúcho, que até agora é pouco exaltada, inacessível e demonstrada.
O gaúcho parece que é só homem a cavalo e grandes espetáculos gauchescos, mas que não tem seu aspecto religioso. Isso resultou no Manual de danças gaúchas. São dez publicações de títulos diferentes.
* Continua na próxima edição.
* Membro da Academia Passo-Fundense de Letras
FONTE: http://www.rplanalto.com/site.php?acao=ler&menu=revista&codMateriaEdicao=455
Enviado pelo colaborador: Hilton Luiz Araldi
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