quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Legalidade: O Cinquentenário Esquecido


Paulo Monteiro

Em princípios de junho último fui procurado pelo jornalista Nilso Mariano, repórter especial do Jornal Zero Hora, solicitando que eu localizasse pessoas que viram passar por aqui o ?Trem da Legalidade?, conduzindo tropas do 17º R.C. de Santiago. Dizia-me aquele jornalista que os veteranos daquela campanha recordam com viva emoção a receptividade que encontraram em Passo Fundo. Não foi difícil encontrar testemunhas autênticas que recordam aquele evento. Da mesma forma, recolhi vasta documentação sobre o acontecimento.
O que me causou espanto foi o fato de que, às vésperas de comemorarmos os cinqüenta anos da ?Campanha da Legalidade?, iniciada no dia 25 de agosto de 1961, com a renúncia do presidente Jânio da Silva Quadros, e concluída no dia 6 de setembro daquele ano, com a posse do vice-presidente João Belchior Marques Goulart, na vaga do demissionário, tenhamos esquecido aquele fato histórico.
O descaso com que a data está sendo tratada pelas autoridades constituídas, pelos sucedâneos políticos das lideranças envolvidas naquele movimento e pelos intelectuais passo-fundenses é digno de vergonha. Vergonha ? repito e não por mera coincidência repetindo com inicial maiúscula ? porque estamos numa das cidades ?mais cultas? do ?Estado mais politizado do Brasil? ? e também não por mera coincidência coloco essas expressões feitas, esses lugares comuns, entre aspas. Salvo a honrosa exceção da Câmara Municipal e uns poucos intelectuais como o jornalista Ivaldino Tasca e os historiadores Elenice Szatkoski, Ney Eduardo Possapp d?Avila e José Ernani Almeida, o resto é pura ignorância.
Passo Fundo foi um dos centros de resistência à tentativa de golpe a que no fundo se reduzia a renúncia de Jânio Quadros. A memória dos comandados do general Oromar Osório dão vida a essa verdade que jaz sob o pó dos arquivos.
Quando, na manhã de um domingo, 3 de setembro de 1961, sob aplausos da população, 1.200 homens, com forças de Cavalaria, artilharia, comunicações e de um hospital militar, em cinco marias-fumaça, chegam à Gare da Viação Férrea, ouviram muito mais do que os vivas, espocar de foguetes e sons marciais de uma banda de música. Sob a liderança de Irma Helena Salton, a elite feminina passo-fundense recebeu os combatentes. A imprensa da época registrou os nomes de Ivone Pacheco, Teresa Almeida, Suely Santos, Adelina Vargas, Neusa Castro, Jalila Assis e Estelita Maris Marcondes. Elas entregaram mais de mil pacotes com frutas, doces, sanduíches e toda a sorte de guloseimas, para deleite de oficiais e praças do Exército Brasileiro. Não agiram sozinhas. Centenas de outras mulheres e moças participaram da coleta dos donativos.
Transcrevo os nomes dessas coordenadoras: Flávia Menna Barreto, Maria Teresa Rache, Teresinha Amaral, Maria Quadros, Ezilda Santos, Ilda Amaral, Erbene Fachini, Rosa Santos, Olga Poleto, Alice Costi, Licínia Couto, Zamar Goron, Dinah Portela e Elda Castro. Ao todo, cerca de duas mil mulheres enganjaram-se na ?Campanha da Legalidade?. Daqui, mais uma composição ferroviária seguiu com os combatentes.
Pela madrugada, em ônibus ?Pullmann?, caminhões, ônibus comuns e viaturas do Exército, tinham passado em direção a Vacaria, 2.500 homens pertencentes ao 6º R.A.M., de Cruz Alta. Iam para o que der e viesse, é o que se comprova porque seu comandante, um coronel, não revelou seu nome.
Nos quartéis do 2º Batalhão Policial (Brigada Militar) e I/20º R.C. (Exército) nossos concidadãos formavam filas, alistando-se como voluntários. E eram organizados comitês pró-Legalidade nas vilas e bairros.
Quando o comando maior dessas forças chegou em Passo Fundo, no dia 6 de setembro, a Legalidade já triunfara. João Goulart tomara posse na Presidência da República. E os próceres militares desta parte do Estado puderam, comodamente, banquetear-se com a elite passo-fundense.

Paulo Monteiro , Historiador;
Email para contato : academiapletras@yahoo.com.br
fonte: Hilton Luiz Araldi

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