quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A MOEDA DA REVOLUÇÃO FARROUPILHA


      Aproveito esta semana do mês de Setembro, quando se comemora a Semana Farroupilha na capital dos Gaúchos - Porto Alegre, para publicar algo relacionado ao estado do Rio Grande do Sul - Brasil.

A maioria dos brasileiros já deve ter ouvido falar na Revolução Farroupilha. Mas o que muita gente não sabe é que tivemos um carimbo sobre moedas que circularam durante aproximadamente 10 anos no sul do Brasil, no tempo do Império. A carimbagem "legalizou" as moedas circulantes no território da República Piratini. Eis o CARIMBO PIRATINI. 

1) 80 réis - 1824 - B - Cobre - 25 gramas - 41 mm - Anepigrafie com 34 raios. C780 - 761 MBC+ Imagem do autor.
Durante a existência da República Piratini, as moedas que circularam nas regiões ocupadas pelos republicanos, tanto as de prata, quanto as de cobre, receberam o carimbo. Nelas estavam inclusas as moedas circulantes no Império Brasileiro, os 8 reales Espanhóis e algumas da República Argentina.
Reza a lenda que o carimbo fora criado no território do Uruguai e que se destinava, a princípio, para autenticar as moedas que serviriam de pagamento aos gaúchos rio-grandinos residentes daquele país. 
O numismata brasileiro Kurt Prober, em seu artigo "Carimbados do Piratiny" publicado na Revista Numismática São Paulo de 1940, cita como primeira referência da aparição deste carimbo o autor português João Xavier da Motta. Motta descreve o desenho do carimbo, nas paginas 80 e 81 de seu livro - Moedas do Brasil 1645-1889, representado como (...) "duas mãos segurando uma espada, com a ponta para cima, suspendendo o barrete phrygio resplendente, em um pequeno escudo oval, como demostração de novo regimen da antiga província brazileira." 
Prober cita ainda o autor Satunino de Pádua no seu Guia do Collecionador de Moedas Brasileiras, 2ª edição Rio de Janeiro, de 1941:
"Toda a moeda que circulou nos pontos que iam sendo ocupados pelos separatistas, desde 1836, recebia um carimbo, de confecção e fabrico uruguaio e especialmente destinadas ao pagamento dos gaúchos da Banda Oriental, que estavam a serviço da revolução, cujo carimbo era de forma ovoide e lembra as Armas dos países hispano-americanos, além de conter em castelhano o nome do mês do início da rebelião." p177.
Kurt Prober transcreveu em tradução, a citação sobre o PIRATINY, do numismata Julius Meili, onde coloca que Mieli classificara o carimbo sob o grupo "Contramarcas Particulares". Kurt alerta sobre os falsos PIRATINY, quando coloca em seu Catálogo de Moedas Brasileiras de Cobre de 1957, que: 
"todos os demais tipos de carimbo, com espada reta e grande; com legenda 20 se.bre.1835; 1835 (só data); 1835-PIRATINI ou ainda PONCHA-VERDE são falsificações feitas de 1924, especialmente no Rio de Janeiro, por pseudo-numismatas, para explorar colegas inexperientes ou vaidosos." p32. 
2) 8 reales - 1805 -  Prata - Carlous IIII- Anepigrafie com 34 raios. Soberba. Imagem do autor.

Talvez a prova irrefutável venha do Jornal O POVO, periódico político, literário e ministerial da República Rio-Grandense. Este jornal, pulicara no dia 31 de outubro de 1838, o decreto de 8 de julho, onde em seus 34 artigos tratara da legalização da moeda e demais iniciativas. Assinam o decreto o presidente Bento Gonçalves da Silva e o Secretário de Estado dos Negócios de Fazenda Domingos José de Almeida.
3) 8 reales - s/data -  Prata - Carlous ? - Carimbo 200. MBC+. Reprodução do autor.
Dentre as peças monetárias ligadas à República Piratini, devemos fazer referência às Blastracas, que são pedaços de moedas, geralmente de prata boliviana ou peruana, carimbadas com valores de 100, 200 e 400 réis. São de formato irregulares; a linha de corte é lisa, dentada ou ondulada, o corte era executado manualmente em metade ou quarto de moedas e raramente com tamanho e peso uniformes. Seu aparecimento não parece ter sido resultado de decisão oficial, pois a mesma não configura nos artigos publicados jornal O Povo. Existiu sim de uma necessidade local de moedas de valor fracionário. Não são catalogadas porque são originárias de moedas estrangeiras. Porém isso não é consenso entre os numismatas brasileiros.

  Mas para compreender o CARIMBO PIRATINY é necessário mergulhar no tempo em que o Brasil se escrevia com "Z". Tempo do Imperador Dom Pedro II. Tempo em que o império solidificava suas fronteiras.

A Revolução Farroupilha, também chamada de Guerra dos Farrapos ou Decênio Heróico (1835 - 1845), eclodiu no Rio Grande do Sul. Configurou-se, na mais longa revolta brasileira. Durou 10 anos e foi liderada pela classe dominante gaúcha, formada por fazendeiros de gado, que usou as camadas pobres da população como massa de apoio no processo de luta.

4) MuseuJulio13.jpg ‎(602 × 600 pixels, tamanho: 367 kB, tipo MIME: image/jpeg) reprodução do autor.
O Rio Grande do Sul foi palco das disputas entre portugueses e espanhóis desde o século XVII. Na ideia dos líderes locais, o fim dos conflitos deveria inspirar o governo central a incentivar o crescimento econômico do sul, como pagamento às gerações de famílias que se voltaram para a defesa do país desde há muito tempo. Mas não foi isso que ocorreu. 
A partir de 1821 o governo central passou a impor a cobrança de taxas pesadas sobre os produtos rio-grandenses, como charque, erva-mate, couros, sebo, graxa, etc. No início da década de 30, o governo aliou a cobrança de uma taxa extorsiva sobre o charque gaúcho a incentivos para a importação da carne seca do Prata. Ao mesmo tempo aumentou a taxa de importação do sal, insumo básico para a fabricação do produto. Além do mais, se as tropas que lutavam nas guerras eram gaúchas, seus comandantes vinham do centro do país. Tudo isso causou grande revolta na elite rio-grandense.
5) MuseuJulio5.jpg (1 290 × 913 pixels, tamanho: 674 kB, tipo MIME: image/jpeg) reprodução do autor.
Em 20 de setembro de 1835, os rebeldes tomam Porto Alegre, obrigando o presidente da província, Fernandes Braga, a fugir para Rio Grande. Bento Gonçalves, que planejou o ataque, empossou no cargo o vice, Marciano Ribeiro. O governo imperial nomeou José de Araújo Ribeiro para o lugar de Fernandes Braga, mas este nome não agradou os farroupilhas (o principal objetivo da revolta era a nomeação de um presidente que defendesse os interesses rio-grandenses), e estes decidiram prorrogar o mandato de Marciano Ribeiro até 9 de dezembro. Araújo Ribeiro, então, decidiu partir para Rio Grande e tomou posse no Conselho Municipal da cidade portuária. Bento Manoel, um dos líderes do 20 de setembro, decidiu apoiá-lo e rompeu com os farroupilhas.
Bento Gonçalves então decidiu conciliar. Convidou Araújo Ribeiro a tomar posse em Porto Alegre, mas este recusou. Com a ajuda de Bento Manoel, Araújo conseguiu a adesão de outros líderes militares, como Osório. Em 3 de março de 36, o governo ordena a transferência das repartições para Rio Grande: é o sinal da ruptura. Em represália, os farroupilhas prendem em Pelotas o conceituado major Manuel Marques de Souza, levando-o para Porto Alegre e confinando-o no navio-prisão Presiganga, ancorado no Guaíba.
6) MuseuJulio10.jpg ‎(468 × 600 pixels, tamanho: 334 kB, tipo MIME: image/jpeg) reprodução do autor.
Os imperiais passaram a planejar a retomada de Porto Alegre, o que ocorreu em 15 de julho. O tenente Henrique Mosye, preso no 8º BC, em Porto Alegre, subornou a guarda e libertou 30 soldados. Este grupo tomou importantes pontos da cidade e libertou Marques de Souza e outros oficiais presos no Presiganga. Marciano Ribeiro foi preso e em seu lugar foi posto o marechal João de Deus Menna Barreto. Bento Gonçalves tentou reconquistar a cidade duas semanas depois, mas foi batido. Entre 1836 e 1840 Porto Alegre sofreu 1.283 dias de sítio, mas nunca mais os farrapos conseguiriam tomá-la.
Em 9 de setembro de 1836 os farrapos, comandados pelo General Netto, impuseram uma violenta derrota ao coronel João da Silva Tavares no Arroio Seival, próximo a Bagé. Empolgados pela grande vitória, os chefes farrapos no local decidiram, em virtude do impasse político em que o conflito havia chegado, pela proclamação da República Rio-Grandense. O movimento deixava de ter um caráter corretivo e passava ao nível separatista.
7) MuseuJulio36.jpg ‎(468 × 600 pixels, tamanho: 334 kB, tipo MIME: image/jpeg) reprodução do autor.

Bento Gonçalves, então em cerco a Porto Alegre, recebe a notícia da proclamação da República e da indicação de seu nome como candidato único a presidente. Decide então contornar a capital da província para se juntar aos vitoriosos comandados de Netto. Quando vai atravessar o rio Jacuí na altura da ilha de Fanfa, tem seus mais de mil homens emboscados por Bento Manuel e pela esquadra do inglês John Grenfell. Bento Gonçalves, Onofre Pires, Pedro Boticário, Corte Real e Lívio Zambeccari, os principais chefes no local são presos, e a tropa é desbaratada. O governo imperial, após esta vitória, oferece anistia aos rebeldes para acabar de vez com o conflito. Netto, contudo, concentrou tropas ao recorde Piratini, a capital da República, e decidiu continuar a luta.
Bento Gonçalves foi escolhido presidente da República, mas enquanto não retornasse, Gomes Jardim assumiu o governo, organizando a estrutura dos ministérios. Foram criados seis: Fazenda, Justiça, Exterior, Interior, Marinha e Guerra. Cada ministro cuidava de dois ministérios por medida de economia.

8) MuseuJulio36.jpg ‎(468 × 600 pixels, tamanho: 334 kB, tipo MIME: image/jpeg) reprodução do autor.
Em fins de 1836, sem seu líder e com o governo central fazendo propostas de anistia, a revolução estava perdendo a força, mas no início de 1837 o Regente Feijó nomeou o brigadeiro Antero de Brito para presidente da província. Este, acumulando o cargo de Comandante Militar, passou a perseguir os simpatizantes do movimento em Porto Alegre e tratar os farrapos com dureza. Mas estes atos devolveram o ânimo aos rebeldes, que conseguiram a partir daí uma série de vitórias. 
A cavalaria imperial desertou em janeiro de 1837 em Rio Pardo, e Lages, em Santa Catarina, foi tomada logo após. Em março, Antero de Brito mandou prender Bento Manoel, por achá-lo pouco rígido com a República. Mas Bento Manoel resolveu prendê-lo e passar novamente para o lado farroupilha. Um mês após, Netto, com mais de mil homens, tomou o arsenal imperial de Caçapava, capturando armas de todos os tipos e ganhando a adesão de muitos soldados da guarnição local. E em 30 de abril, Rio Pardo, então a mais populosa cidade da província, foi tomada.
Em outubro, chegou a notícia de que Bento Gonçalves havia fugido do Forte do Mar, em Salvador, vindo a assumir a presidência em 16 de dezembro. Era o auge da República. A diminuição dos combates, a estruturação dos serviços básicos - correios, política externa, fisco - davam a impressão de que o Estado Rio-Grandense estava em vias de consolidação.
Mas 1838 não foi o ano da vitória como esperavam os farrapos. Apesar de mais uma vitória em Rio Pardo, o fracasso na tentativa de tomar Rio Grande e a falta de condições de conquistar Porto Alegre abatem as esperanças dos republicanos. A maioria das vitórias farrapas neste ano foram em combates de guerrilha e escaramuças sem importância estratégica. Com Piratini ameaçada, a Capital é transferida para Caçapava em janeiro de 1839.
Em 1840 começou a decadência da revolução. Enquanto a maioria das forças rio-grandenses se concentrava no sítio a Porto Alegre, a capital, Caçapava, era atacada de surpresa. Os líderes farrapos consideravam Caçapava quase inexpugnável, em virtude do difícil acesso à cidade. A partir daí, os arquivos da República foram colocados em carretas de bois pelas estradas. Foi o tempo da "República andarilha", até que Alegrete foi escolhida como nova capital. Em Taquari, farroupilhas e imperiais travaram a maior batalha da guerra, com mais de dez mil homens envolvidos. Mas não teve resultados decisivos. São Gabriel foi perdida em junho, e alguns dias depois o General Netto só escapa do imperial Chico Pedro graças à sua destreza como cavaleiro.
Em julho, novo fracasso farroupilha, desta vez em São José do Norte. Bento Gonçalves começa a pensar na pacificação. Em novembro é a vez de Viamão cair, morrendo no combate o italiano Luigi Rossetti, o criador do jornal "O Povo" órgão de imprensa oficial da república. Para piorar a situação, em janeiro de 1841, Bento Manoel discordou de algumas promoções de oficiais e abandonou definitivamente os farrapos.
A partir de novembro 1842 o conflito é dominado pela estrela de Luís Alves de Lima e Silva, o Barão (depois Duque) de Caxias. Nomeado presidente da província como a esperança do Imperador para a paz, Caxias usou do mesmo estilo dos farrapos para ganhar o apoio da população. Nomeou como comandantes militares Bento Manoel e Chico Pedro, dois oficiais do mesmo estilo, priorizou a cavalaria, e espalhou intrigas entre os farrapos sempre que pôde. Tratou bem a população dos povoados ocupados e empurrou os farroupilhas para o Uruguai. Estes ainda fizeram outra grande tentativa, atacando São Gabriel em 10 de abril de 1843 e, em  26 do mesmo mês, destroçaram Bento Manoel em Ponche Verde. Mas esta foi a última vitória dos farrapos.
Em dezembro de 42 reuniu-se em Alegrete a Assembléia Constituinte, sob forte discussão política. Era forte a oposição a Bento Gonçalves. Durante 1843 e 1844, sucederam-se brigas entre os farrapos. Numa destas o líder oposicionista Antônio Paulo da Fontoura foi assassinado. Onofre Pires acusou Bento Gonçalves de ser o mandante. Este respondeu com o desafio a um duelo. Neste duelo (28 de fevereiro de 1844) Onofre é ferido, e veio a falecer dias depois.
Ainda em 1844 Bento Gonçalves iniciou conversações de paz, mas retirou-se por discordar de Caxias em pontos fundamentais, assumindo o seu lugar Davi Canabarro. Os farrapos queriam assinar um Tratado de Paz, mas os imperiais rejeitavam, porque tratados se assinam entre países e o Império não considerava a República um Estado. Caxias contornou a situação, agradando os interesses dos farroupilhas sem criar constrangimentos para o Império. 
Mas no final das contas os farrapos já não tinham outra saída senão aceitar as condições de Caxias.
A pacificação foi assinada em 1º de Março de 1845 em Ponche Verde e tinha como principais pontos:
  • O Império assumia as dívidas do governo da República;
  • Os farroupilhas escolheriam o novo presidente da província - Caxias;
  • Os oficiais rio-grandenses seriam incorporados ao exército imperial nos mesmos postos, exceto os generais;
  • Todos os processos da justiça republicana continuavam válidos;
  • Todos os ex-escravos que lutaram no exército rio-grandense seriam declarados livres (mas muitos deles foram reescravizados depois);
  • Todos os prisioneiros de guerra seriam devolvidos à província.
Além do mais, o charque importado foi sobretaxado em 25%.
Terminou assim a Guerra dos Farrapos, que apesar da vitória militar do Império do Brasil contra a República Rio-Grandense, significou a consolidação do Rio Grande como força política dentro do país. 


Referências:
MOTTA, João Xavier da. Moedas do Brasil 1645-1888. Edição Melhorada, Porto - 1889
PROBER, Kurt. Carimbos do Piratiny. Revista Numismática de São Paulo. 1940/41.
PROBER, Kurt. Catalogo das Moedas Brasileiras de Cobre. São Paulo. 1957.
SILVA, Yuri Victorino da. Carimbos em Moedas do Brasil Colônia e Império. 2012.
http://www.sohistoria.com.br/ef2/revolucaofarroupilha/p2.php
http://www.brasilescola.com/historiab/revolucao-farroupilha.htm
http://hid0141.blogspot.com.br/2009/02/guerra-dos-farrapos-revolucao.html
http://www.numismatas.com
http://www.coinfactswiki.com
http://pt.wikipedia.org/wiki/Len%C3%A7o_Farroupilha
http://museujuliodecastilhos.blogspot.com.br/

Um comentário:

Fernanda disse...

Interessante e super completa essa postagem, até vou salvar o link para poder ler com mais calma em casa.
Um abraço!