Já entramos 15 anos no novo milenio e a expectativa do Ruas
não tornou-se realidade. O rótulo regionalista parece ser mais forte que a obra
universal de Braun. Vale a pena Ler o texto de Tabajara Ruas (1995)
UM POETA MISSIONEIRO, SIM, E UNIVERSAL
Os poemas de Jayme Caetano Braun devem ser estudados e lidos
para o prazer do espírito
Há uma certa prática na nossa convivência cultural tão
destrutiva e vergonhosa quanto preconceituosa, que é a de rotular.
"Gauchesco", por exemplo, é rótulo aplicado aos poetas dos movimentos
tradicionalistas. Esses movimentos estão cheios de equívocos tanto estéticos
quanto ideológicos, mas a verdade é que geraram uma sólida estirpe de poetas e
de músicos. O maior deles foi Jayme Caetano Braun. Para a crítica em geral,
porém, nunca passou de um poeta gauchesco.
Borges disse num poema famoso que os gaúchos nunca ouviram a
palavra gaúcho, ou a ouviram como um insulto. Os letrados de gravata com
certeza se referiam ao poeta Jayme Caetano Braun com essa intenção: era um
poeta gauchesco.
Essa divisão grosseira pode satisfazer a inteligência de
verniz dos comerciais de televisão para erva-mate ou similares, mas é espantoso
que tenha merecido o silencioso aval da inteligência estabelecida no corpo da
elite cultural rio-grandense. As resenhas sobre a morte do poeta não dão conta
de nenhuma láurea acadêmica em vida para Jayme, reconhecendo seu valor como
artista. Duvido que tenham pensado em algo semelhante para qualquer autor sob
esse rótulo. João Simões Lopes Neto não vale citar, pois morreu antes do rótulo
existir como redutor.
Apparício Silva Rillo foi campeão de vendas da Feira do
Livro (com uma série de obras menores, é verdade), mas sua bela poesia e seus
contos impecáveis nunca foram levados em consideração para uma homenagem na
feira que ele tanto ajudou a tornar ainda mais gaúcha.
Barbosa Lessa ainda escreve e publica com finura e erudição,
mas é gauchesco. E Vargas Netto? Gçaucus Saraiva? Tantos e tantos esquecidos
burramente sob o rótulo de gauchesco.
Não acho que Jayme Caetano Braun fosse um poeta gauchesco.
Era um poeta do Rio Grande do Sul, um poeta que, ao descobrir seu dom,
adequou-o na criação de uma linguagem singular, para trata de um tema singular:
sua terra e sua gente.
Dentro do opulento unvierso lingüístico da obra de Jayme
Caetano Braun, existem alguns versos simples que, me parece, definem bem sua
poesia e sua personalidade: "Brinquei com gado de osso / Na sombra do
velho umbu / e assim volteando o amargo / e o churrasco meio cru / Fui
crescendo e me orgulhando / De ter nascido um chiru!"
Orgulho é uma palavra definidora. Mas esse orgulho, atentem,
só foi aparecendo à medida que o poeta crescia, isto é, à medida que lançava o
olhar ao mundo que o cercava e começava a entendê-lo. à medida que o rio, a
fronteira, as Missões, a pedra, o cavalo, o umbu, o pampa foram tomando um
sentido. À medida que descobria o passado e percebia lá as marcas desta nossa
civilização meridional. Então ele colocou seu talento para cantar essas coisa
tão próximas: "Meu canto é rio / meu canto é sol / meu canto é vento / Eu
tenho pátria / Eu tenho berço / Eu tenho glória / Eu só não tenho terra própria
/ porque a história / que escrevi / me deserdou no testamento!"
Parece que fala dos sem-terra e fala mesmo. Cantor da
beleza, do amor e do orgulho de ser gaúcho, Jayme Caetano Braun nunca foi um
laudatório vazio e pomposo. Seu verso incluía o deserdado e espoliado, que são
a maioria. Os discos e CDs que deixou afirmarm uma voz densa e persuasiva,
forte e delicada, que saboreia cada palavra como um sorvo de chimarrão, para
arriscar uma imagem do seu universo poético.
É de esperar que, no milênio que se aproxima, os rótulos
sejam derrubados e o payador missioneiro seja reconhecido apenas como o que ele
é: um poeta. Para ser estudado nos vestibulares, festejado nas feiras e lido
para o prazer do espírito.
Texto de Tabajara Ruas - Escritor, jornalista e roteirista
de cinema e televisão, autor de Netto Perde sua Alma (Mercado Aberto, 1995)
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