quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

UM POETA MISSIONEIRO, SIM, E UNIVERSAL

Já entramos 15 anos no novo milenio e a expectativa do Ruas não tornou-se realidade. O rótulo regionalista parece ser mais forte que a obra universal de Braun. Vale a pena Ler o texto de Tabajara Ruas (1995)


UM POETA MISSIONEIRO, SIM, E UNIVERSAL
Os poemas de Jayme Caetano Braun devem ser estudados e lidos para o prazer do espírito
Há uma certa prática na nossa convivência cultural tão destrutiva e vergonhosa quanto preconceituosa, que é a de rotular. "Gauchesco", por exemplo, é rótulo aplicado aos poetas dos movimentos tradicionalistas. Esses movimentos estão cheios de equívocos tanto estéticos quanto ideológicos, mas a verdade é que geraram uma sólida estirpe de poetas e de músicos. O maior deles foi Jayme Caetano Braun. Para a crítica em geral, porém, nunca passou de um poeta gauchesco.
Borges disse num poema famoso que os gaúchos nunca ouviram a palavra gaúcho, ou a ouviram como um insulto. Os letrados de gravata com certeza se referiam ao poeta Jayme Caetano Braun com essa intenção: era um poeta gauchesco.
Essa divisão grosseira pode satisfazer a inteligência de verniz dos comerciais de televisão para erva-mate ou similares, mas é espantoso que tenha merecido o silencioso aval da inteligência estabelecida no corpo da elite cultural rio-grandense. As resenhas sobre a morte do poeta não dão conta de nenhuma láurea acadêmica em vida para Jayme, reconhecendo seu valor como artista. Duvido que tenham pensado em algo semelhante para qualquer autor sob esse rótulo. João Simões Lopes Neto não vale citar, pois morreu antes do rótulo existir como redutor.
Apparício Silva Rillo foi campeão de vendas da Feira do Livro (com uma série de obras menores, é verdade), mas sua bela poesia e seus contos impecáveis nunca foram levados em consideração para uma homenagem na feira que ele tanto ajudou a tornar ainda mais gaúcha.
Barbosa Lessa ainda escreve e publica com finura e erudição, mas é gauchesco. E Vargas Netto? Gçaucus Saraiva? Tantos e tantos esquecidos burramente sob o rótulo de gauchesco.
Não acho que Jayme Caetano Braun fosse um poeta gauchesco. Era um poeta do Rio Grande do Sul, um poeta que, ao descobrir seu dom, adequou-o na criação de uma linguagem singular, para trata de um tema singular: sua terra e sua gente.
Dentro do opulento unvierso lingüístico da obra de Jayme Caetano Braun, existem alguns versos simples que, me parece, definem bem sua poesia e sua personalidade: "Brinquei com gado de osso / Na sombra do velho umbu / e assim volteando o amargo / e o churrasco meio cru / Fui crescendo e me orgulhando / De ter nascido um chiru!"
Orgulho é uma palavra definidora. Mas esse orgulho, atentem, só foi aparecendo à medida que o poeta crescia, isto é, à medida que lançava o olhar ao mundo que o cercava e começava a entendê-lo. à medida que o rio, a fronteira, as Missões, a pedra, o cavalo, o umbu, o pampa foram tomando um sentido. À medida que descobria o passado e percebia lá as marcas desta nossa civilização meridional. Então ele colocou seu talento para cantar essas coisa tão próximas: "Meu canto é rio / meu canto é sol / meu canto é vento / Eu tenho pátria / Eu tenho berço / Eu tenho glória / Eu só não tenho terra própria / porque a história / que escrevi / me deserdou no testamento!"
Parece que fala dos sem-terra e fala mesmo. Cantor da beleza, do amor e do orgulho de ser gaúcho, Jayme Caetano Braun nunca foi um laudatório vazio e pomposo. Seu verso incluía o deserdado e espoliado, que são a maioria. Os discos e CDs que deixou afirmarm uma voz densa e persuasiva, forte e delicada, que saboreia cada palavra como um sorvo de chimarrão, para arriscar uma imagem do seu universo poético.
É de esperar que, no milênio que se aproxima, os rótulos sejam derrubados e o payador missioneiro seja reconhecido apenas como o que ele é: um poeta. Para ser estudado nos vestibulares, festejado nas feiras e lido para o prazer do espírito.
Texto de Tabajara Ruas - Escritor, jornalista e roteirista de cinema e televisão, autor de Netto Perde sua Alma (Mercado Aberto, 1995)


Fonte: face Paulo De Freitas Mendonça

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