terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

César Oliveira critica "morcegos" da cultura

Ao contrário do presidente do MTG, César não se calou! Foto: Divulgação
Eu iria publicar o texto abaixo apenas após o carnaval. Mas diante da repecurssão da matéria de hoje ZH, aqui vai o artigo redigido por um dos maiores expoentes de nossa música nativa, se não o maior: César Oliveira, da dupla César Oliveira & Rogério Melo.

É um texto pra guardar e ler sempre que surgir um desses espertinhos querendo menosprezar o mais gaúcho dos estilos musicais. Leiam e opinem, por favor!

Por que “a musica gaúcha é intragável”?

Depois de ler a entrevista de Nei Lisboa no jornal Zero Hora, gostaria de ter a oportunidade de perguntar pessoalmente ao conceituado e respeitável músico o por que desta declaração. Considero-me uma pessoa bastante esclarecida, certamente mais do que muitos dos supostos “intelectuais” da música porto alegrense. Usufruindo de uma simbologia, me refiro, mais especificamente, a artistas de grande cunho intelectual que assemelham-se a “morcegos”, pois somente os encontramos à noite circunscritos a uma área restrita em bairros tradicionalmente boêmios de nossa capital.

Seu universo pode ser metaforizado como uma caverna obscura, em que só se projetam inspirações de temáticas desordenadas, em invés de nos projetar a longínquos pagos, verdes campos, heróicas, nostálgicas e românticas histórias de nosso rico povo rio-grandense. Porto Alegre, a capital dos gaúchos, ainda possui uma muralha imaginária levantada por milhares de tijolos forjados pelo preconceito.

Felizmente, graças a muitos esforços daqueles que produzem e vivem para elevar a cultura e o folclore do Rio Grande do Sul, noto que nos últimos anos este panorama vem mudando e estão se aparando as arestas da discriminação. Os comentários de Nei Lisboa, na contramão desta saudável evolução, somente reforçam o preconceito e a má vontade que estigmatizam as pessoas envolvidas e identificadas com a cultura regional. Se porventura o notável artista aqui citado fosse realmente uma pessoa esclarecida, veria que valoriza o regionalismo, é apenas cego para suas raízes.

Causa-me estranhamento que o referido músico se sinta à vontade para gravar um candombe, ritmo típico do folclore Uruguaio - uma música de raiz proveniente da África trazida pelos escravos - ou um tango - de origem argentina, executado de início por guitarreiros com temática folclórica – mas diga que não colheu nada de referenciais da música regionalista, como TEIXEIRINHA. Nei Lisboa valoriza as manifestações musicais embasadas no folclore - Uruguaio e Argentino , porém chama de intragável a música regional produzida no Rio Grande do Sul, que somado a estes dois países, forma e sustenta uma cultura viva e riquíssima, a dos “GAUCHOS/GAÚCHOS”.

A diferença entre os músicos destes países “hermanos” e os “nossos” intelectuais musicistas é que eles não possuem preconceito com suas raízes, muito pelo contrário, possuem sim orgulho e buscam dignificá-la. Felizmente, o Rio Grande do Sul tem inúmeros representantes orgulhosos de sua cultura, como Yamandú Costa, projetado, consagrado e reconhecidíssimo no cenário musical mundial como instrumentista gerado no mais puro folclore gaúcho.

Este sim é esclarecido, assim como inúmeros instrumentistas, poetas, intérpretes, que comporiam uma farta listagem de pessoas que possuem orgulho de sua procedência. Não concordo, por todo o exposto, com a opinião de Nei Lisboa, mas respeito-a e, mais do que tudo, respeito seu direito de expressá-la. Contudo, não posso me furtar de sublinhar o absurdo da frase “a música gaúcha é intragável para qualquer pessoa mais esclarecida”. ]

Como eu, tenho certeza de que outras milhares de pessoas esclarecidas, ficam apavoradas quando a generalização se sobrepõe a análise criteriosa e quando o preconceito se manifesta de forma deliberada. E, para finalizar, acredito que nós precisamos, sim, de um MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO. Precisamos também que este use, com coerência, sua posição para sustentar o ideal de folclore.

Do contrário, lenço só de bolso, e este nem se usa mais. Se alguém não consegue usufruir da riqueza de uma vasta cultura regional por puro PRECONCEITO, que pena, pois é “intragável” tal filosofia.

César Oliveira


Postado por Giovani Grizotti

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