terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Não aos Patrões da Cultura por Nei Lisboa

Não aos Patrões da Cultura por Nei Lisboa

Não estou subestimando a inteligência de ninguém ao dizer que a música gaúcha torna-se intragável para um adolescente esclarecido. Estou é afirmando que as gerações do século 21 não irão compactuar com os preconceitos, os estereótipos e o regramento artístico do movimento tradicionalista. Alguém (mais esclarecido) dirá que essa é uma generalização equivocada, já que nem toda a música regional se submete ao perfil do MTG, e que ela abriga outros movimentos como o nativismo, a tchê music, a projeção folclórica etc.

Está certo. Mas, cá entre nós, essas diferenças não são sempre cristalinas para o público. E se há de fato aqueles que refugam o modelo oficialista e conservador, pouco se escuta sua voz. Onde está essa contestação? No espaço mais visível da mídia, o que predomina é uma nebulosa monotemática, sempre pilchada a rigor e exaltando aquele Rio Grande que, sabe-se bem, nunca existiu. Sejam obras-primas e virtuoses, ou melodias e intérpretes canhestros, pouco importa: ficam todos cooptados por essa mitificação e perdem igualmente substância ao se enquadrar em tal moldura.

Usei a exata expressão "a música gaúcha torna-se" (e nunca "a música gaúcha é") ao comentar meu desagrado por isso tudo que a envolve. Há uma sutileza gigante entre as duas formas, dentro da qual tentei ser gentil com colegas músicos, e muito duro com pretensos patrões da cultura.

Por óbvio, o gosto de cada um deve imperar na avaliação do que escuta, e isto aqui nem vem ao caso. Não estou recomendando que o gaúcho aprimore a sua técnica musical. Estou sugerindo que atualize a percepção de si mesmo. Que refine com verdade, razão e autonomia a sua trajetória. Aqueles poucos que, adulterando a frase, se apressaram em amesquinhar o tema são os interessados de sempre em insuflar a defesa da "valorosa honra do Rio Grande", e dela extrair audiência e patrocínio. Talvez esteja aí o melhor exemplo do que é realmente difícil de engolir.

NEI LISBOA

FONTE; ZH DO DIA 16/02/2010

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